sábado, 13 de janeiro de 2007

ESSE SER PALHAÇO * PARTE V

Com as gargalhadas, o público droga-se nas endorfinas necessárias para a regeneração da vida.

O Palhaço, ao longo das épocas, foi ganhando com o passar dos anos algumas características e perdendo outras, ao mesmo tempo que se vão desenvolvendo outros "primos" em actividade paralela. Creio que nessa estrutura paralela se encaixam bem as figuras da Comédia del Arte, com especial destaque para o triste Pierrot. No mesmo contexto estão as criações da comédia teatral e cinematográfica, com personagens de especial relevo como o Charlot, Totó, Bucha e Estica, Mr. Hulot ... para falar só em "criações" e não em nomes de comediantes.

Um dos momentos importantes na mistificação do Pierrot, e consequentemente do Palhaço, foi o Romantismo. O Homem não pode acreditar que possam existir indivíduos que encontrem no humor a resolução de todos os problemas; ninguém pode ser apenas feliz, só os idiotas, tontos ou loucos.

No dia em que a sociedade aceitar que o homem pode encontrar dentro de si a força, através do humor, para vencer todos os medos, para ultrapassar as contrariedades do quotidiano, desmoronam-se todas as muralhas, derrubam-se todos os ditadores, esvanecem-se todos os exércitos... Tem de existir infelicidade por detrás de qualquer máscara do riso. O Poder necessita da tristeza, do medo...
O Romantismo deu-lhe essa energia mística da tristeza para além da felicidade, inventando o Palhaço que ri por fora, que faz os outros felizes, quando no seu interior a alma chora na sua miséria humana.

Essa imagem ficou magistralmente escrita na pauta da ópera "Paglacci" de Leoncavallo. Se essa tragicomédia lírica é um ícone do Palhaço romântico, a área do Tenor, "Vesti la giubba" é a conceptualização desse amor/dor, desse humor/desespero, dessa alegria/tristeza... dessa tragédia que é o dia a dia. A vida tem de existir sempre numa dualidade de confrontos.
O celebre palhaço russo Oleg Popov descreve deste modo a sua incarnação como Palhaço: "o meu objectivo é entrar na pele da personagem de um homem vulgar, que combine organicamente excentricidade e realismo".

Descobrimos então que existem dois mundos no Palhaço, o Ser e a Máscara.

(continua)